Poemas de Baudelaire
Charles-Pierre Baudelaire, foi um poeta boêmio e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia. Saiba mais sobre esse renomado poeta!
O Tonel do Rancor Charles BaudelaireO Rancor é o tonel das Danaidas alvíssimas;
A Vingança, febril, grandes olhos absortos,
procura em vão encher-lhes as trevas profundíssimas,
Constante, a despejar pranto e sangue de mortos.
O Diabo faz-lhe abrir uns furos misteriosos
Por onde se estravasa o líquido em tropel;
Mil anos de labor, de esforços fatigosos,
Tudo seria vão para encher o tonel.
O Rancor é qual ébrido em sórdida taverna,
Que quanto mais bebeu inda mais sede tem,
Vendo-a multiplicar como a hidra de Lerna.
- Mas se o ébrio feliz sabe com quem se avém,
O Rancor, por seu mal, não logra conseguir,
Qual torvo beberrão, acabar por dormir.
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O Cachimbo Charles BaudelaireTrigueiro, negro, enfarruscado,
Sou o cachimbo de um autor,
incorrigível fumador,
Que me tem já quase queimado.
Quando o persegue ingente dor,
Eu, a fumar, sou comparado
Ao fogareiro improvisado
Para o jantar de um lenhador.
Vai envolver-lhe a tova mente
O fumo azul e transparente
Da minha boca em erupção...
A sua dor, prestes, se acalma;
Leva-lhe o fumo a paz à alma,
Vai Alegrar-lhe o coração!
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Sepultura de um Poeta Maldito Charles BaudelaireSepultura de um Poeta Maldito
Se, em noite horrorosa, escura,
Um cristão, por piedade,
te conceder sepultura
Nas ruínas de alguma herdade,
As aranhas hão-de armar
No teu coval suas teias,
E nele irão procriar
Víboras e centopeias.
E sobre a tua cabeça,
A impedi-la que adormeça.
- Em constantes comoções,
Hás-de ouvir lobos uivar,
Das bruxas o praguejar,
E os conluios dos ladrões.
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O Morto Prazenteiro Charles BaudelaireOnde haja caracóis, num fecundo torrão,
Uma grandiosa cova eu mesmo quero abrir,
Onde repouse em paz, onde possa dormir,
Como dorme no oceano o livre tubarão.
Detesto os mausoléus, odeio os monumentos,
E, a ter de suplicar as lágrimas do mundo,
Prefiro oferecer o meu carcaz imundo,
Qual precioso manjar, aos corvos agoirentos.
Verme, larva brutal, tenebroso mineiro,
Vai entregar-se a vós um morto prazenteiro,
Que livremente busca a treva, a podridão!
Sem piedade, minai a minha carne impura,
E dizei-me depois se existe uma tortura
Que não tenha sofrido este meu coração!
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A Música Charles BaudelaireA música pra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!
O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame de um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;
Sinto vibrar em mim todas as comoções
De um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsões
Conseguem a minha alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrível me exaspera!
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Tédio Charles BaudelaireTenho as recordações de um velho milenário!
Um grande contador, um prodigioso armário,
Cheiinho, a abarrotar, de cartas memoriais,
Bilhetinhos de amor, recibos, madrigais,
Mais segredos não tem do que eu na mente abrigo.
Meu cerebro faz lembrar descomunal jazigo;
Nem a vala comum encerra tanto morto!
— Eu sou um cemitério estranho, sem conforto,
Onde vermes aos mil — remorsos doloridos,
Atacam de preferência os meus mortos queridos.
Eu sou um toucador, com rosas desbotadas,
Onde jazem no chão as modas despresadas,
E onde, sós, tristemente, os quadros de Boucher
Fuem o doce olor de um frasco de Gellé.
Nada pode igualar os dias tormentosos
Em que, sob a pressão de invernos rigorosos,
O Tédio, fruto infeliz da incuriosidade,
Alcança as proporções da Imortalidade.
— Desde hoje, não és mais, ó matéria vivente,
Do que granito envolto em terror inconsciente.
A emergir de um Saarah movediço, brumoso!
Velha esfinge que dorme um sono misterioso,
Esquecida, ignorada, e cuja face fria
Só brilha quando o Sol dá a boa-noite ao dia!
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Spleen Charles BaudelaireQuando o cinzento céu, como pesada tampa,
Carrega sobre nós, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;
Quando se muda a terra em húmida enxovia
De onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no tecto apodrecido;
Quando a chuva, caindo a cântaros, parece
De uma prisão enorme os sinistros varões,
E em nossa mente em frebre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantásticas visões,
Ouve-se o bimbalhar dos sinos retumbantes,
Lançando para os céus um brado furibundo,
Como os doridos ais de espíritos errantes
Que a chorrar e a carpir se arrastam pelo mundo;
Soturnos funerais deslizam tristemente
Em minha alma sombria. A sucumbida Esperança,
Lamenta-se, chorando; e a Angústia, cruelmente,
Seu negro pavilhão sobre os meus ombros lança!
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Esterilidade Charles BaudelaireAo vê-la caminhar em trajos vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles répteis da Índia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno de uma lança.
Como um vasto areal, ou como um céu ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
— Assim ela caminha, a passo, indiferente,
Insensível à dor, ao sofrimento humano.
Seus olhos têem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,
Onde tudo é fulgor, ouro, metais, diamantes
Vê-se resplandecer a fria majestade
Da mulher infecunda — essa inutilidade
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Uma Gravura Fantástica Charles BaudelaireUm vulto singular, um fantasma faceto,
Ostenta na cabeça horrivel de esqueleto
Um diadema de lata, - único enfeite a orná-lo
Sem espora ou pingulim, monta um pobre cavalo,
Um espectro tambem, rocinante esquelético,
Em baba a desfazer-se como um epitético,
Atravessando o espaço, os dis lá vão levados,
O Infinito a sulcar, como dragões alados.
O Cavaleiro brande um gládio chamejante
Por sobre as multidões que pisa rocinante.
E como um gran-senhor, que seus reinos visite,
Percorre o cemitério enorme, sem limite,
Onde jazem, no alvor de uma luz branca e terna,
Os povos da História antiga e da moderna.
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Os Mochos Charles BaudelaireSob os feixos onde habitam,
Os mochos formam em filas;
Fugindo as rubras pupilas,
Mudos e quietos, meditam.
E assim permanecerão
Até o Sol se ir deitar
No leito enorme do mar,
Sob um sombrio edredão.
Do seu exemplo, tirai
Proveitoso ensinamento:
— Fugí do mundo, evitai
O bulício e o movimento...
Quem atrás de sombras vai,
Só logra arrependimento!
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