Poemas de Millôr Fernandes
Desenhista, humorista, escritor e jornalista. Milton Viola, mais conhecido como Millôr Fernandes, ocupou todas essas funções com brilhantismo na carreira.
CompensatórioAmigas, venham todas
Tragam o sal, o sol, o som, a vida,
O riso, a onda.
Eu sou o Cavalheiro da Triste Figura
Mas tenho uma bela Távola Redonda
Saio sempre do cinema
Com o sentimento desagradável
De que, se não houvesse lido a
Crítica, teria sido formidável!
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Homenagem à Preguiça UniversalQue nada é impossível
não é verdade;
todo o mundo faz nada
com facilidade.
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TrabalhoChego sempre à hora certa,
contam comigo, não falho,
pois adoro o meu emprego:
o que detesto é o trabalho.
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Reacções Paradoxais numa SociedadeNa conversa sofisticada
a debutante, nervosa,
tem um problema bem seu:
fingir que entende tudo
ou fingir que não entendeu
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Negação da AfirmaçãoSou um homem bem comum
sem nenhuma aspiração.
Não quero ser general
e muito menos sultão.
Sou moderado de gastos,
de ambição reduzida,
não sonho ser big-shot
estou contente da vida.
Nunca invejei o próximo
nem lhe cobiço a mulher,
pego o meu lugar na fila
e seja o que Deus quiser.
Não sou mau pai, nem mau esposo,
Grosseiro nem invejoso
- só um pouco mentiroso.
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O tempoO despertador desperta,
acorda com sono e medo;
por que a noite é tão curta
e fica tarde tão cedo?
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Insatisfação AbsolutaO que me dói
É que quando está tudo acabado
Pronto pronto
Não há nada acabado
Nem pronto pronto
Pintou-me a casa toda
Está tudo limpado
O armário fechado
A roupa arrumada
Tudo belo, perfeito.
E no mesmo instante
Em que aperfeiçoamos a perfeição
Uma lasca diminuta, ténue, microscópica,
Não sei onde,
Está começando
Na pintura da casa
E as traças, não sei onde,
Estão batendo asas
E a poeira, em geral, está caindo invisível,
E a ferrugem está comendo não sei quê
E não há jeito de parar
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Tentando Justificar Minha InculturaLer na cama
É uma difícil operação
Me viro e reviro
E não encontro posição
Mas se, afinal,
Consigo um cômodo abandono,
Pego no sono.
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NupcialA linda noivinha
no altar se casará
com o rapaz que fez tudo
pra não ir até lá.
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Louvor ao Strip-tease SecularEu sou do tempo em que a mulher
nem mostrava o tornozelo;
que apelo!
Depois, já rapazinho
vi as primeiras pernas de mulher
por sob a curta saia;
que gandaia!
A moda avança,
a saia sobe mais,
mostrando já joelhos
lupercais!
As fazendas com os anos,
se fazem mais leves,
e surgem figurinhas, pelas ruas,
mostrando as lindas formas quase nuas.
E a mania do sport
trouxe o short.
O short amigo,
que trouxe consigo,
o maiô de duas peças.
E logo, de audácia em audácia,
a natureza, ganhando terreno,
sugeriu o biquini,
o maiô, de pequeno, ficando mais pequeno
não se sabendo mais,
até onde um corpo branco,
pode ficar moreno.
Deus, a graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
Uns aninhos de vida!
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Saudação aos que Vão FicarComo será o Brasil
no ano dois mil?
As crianças de hoje,
já velhinhas então,
lembrarão com saudade
deste antigo país,
desta velha cidade?
Que emoção, que saudade,
terá a juventude,
acabada a gravidade?
Respeitarão os papais
cheios de mocidade?
Que diferença haverá
entre o avô e o neto?
Que novas relações e enganos
inventarão entre si
os seres desumanos?
Que lei impedirá,
libertada a molécula
que o homem, cheio de ardor,
atravesse paredes,
buscando seu amor?
Que lei de tráfego impedirá um inquilino
- ante o lugar que vence -
de voar para lugar distante
na casa que não lhe pertence?
Haverá mais lágrimas
ou mais sorrisos?
Mais loucura ou mais juízo?
E o que será loucura? E o que será juízo?
A propriedade, será um roubo?
O roubo, o que será?
Poderemos crescer todos bonitos?
E o belo não passará então a ser feiura?
Haverá entre os povos uma proibição
de criar pessoas com mais de um metro e oitenta?
Mas a Rússia (vá lá, os Estados Unidos)
não farão às ocultas, homens especiais
que, de repente,
possam duplicar o próprio tamanho?
Quem morará no Brasil,
no ano dois mil?
Que pensará o imbecil
no ano dois mil?
Haverá imbecis?
Militares ou civis?
Que restará a sonhar
para o ano três mil
ao ano dois mil?
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