Poemas sobre recordação
Algumas memórias estão sempre com a gente, são momentos que marcaram nossa vida e que suas lembranças não conseguimos esquecer. Mas recordar esses momentos nos fazem tão bem!
Um Amor Nuno JúdiceAproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.
CopiarCompartilhar
Não Trago Recordações João Miguel Fernandes JorgeNão trago recordações.
Escolheria as que não interessam a ninguém.
Como se erguesse contra mim o tiro de uma arma
ou acabasse de ler as disposições da comuna
sobre as mulheres.
Precisamos um do outro
esta noite
ferido por uma bala.
Os dois os três dias que se vão seguir.
Os envelopes foram destruídos.
As coisas
as cartas
o tempo é sempre magnífico.
Terra povoada de gente
mil e uma coisas que fazem uma arma
soltar o corpo
para o corpo de outro corpo.
As frases começadas
hei-de um dia os mundos desta vida.
CopiarCompartilhar
Aparição Antero de QuentalUm dia, meu amor (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo...
Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trémulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo...
E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos...
Ouve! espera! Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!
CopiarCompartilhar
Trágica Recordação Teixeira de PascoaesMeu Deus! meu Deus! quando me lembro agora
De o ver brincar, e avisto novamente
Seu pequenino Vulto transcendente,
Mas tão perfeito e vivo como outrora!
Julgo que ele ainda vive; e que, lá fóra,
Fala em voz alta e brinca alegremente,
E volve os olhos verdes para a gente,
Dois berços de embalar a luz da aurora!
Julgo que ele ainda vive, mas já perto
Da Morte: sombra escura, abismo aberto
Pesadelo de treva e nevoeiro!
Ó visão da Criança ao pé da Morte!
E a da Mãe, tendo ao lado a negra sorte
A calcular-lhe o golpe traiçoeiro!
CopiarCompartilhar
Mortos, Ainda Morremos Ricardo ReisO rastro breve que das ervas moles
Ergue o pé findo, o eco que oco coa,
A sombra que se adumbra,
O branco que a nau larga
Nem maior nem melhor deixa a alma às almas,
O ido aos indos. A lembrança esquece,
Mortos, inda morremos.
Lídia, somos só nossos.
CopiarCompartilhar
Tarda o que Espera Ricardo ReisNão quero as oferendas
Com que fingis, sinceros,
Dar-me os dons que me dais.
Dais-me o que perderei,
Chorando-o, duas vezes,
Por vosso e meu, perdido.
Antes mo prometais
Sem mo dardes, que a perda
Será mais na esperança
Que na recordação.
Não terei mais desgosto
Que o contínuo da vida,
Vendo que com os dias
Tarda o que espera, e é nada.
CopiarCompartilhar
Nevermore Paul VerlaineAh, lembrança, lembrança, que me queres? O Outono
Fazia voar os tordos plo ar desmaiado
E o sol dardejava um monótono raio
No bosque amarelado onde a nortada ecoa.
A sonhar caminhávamos os dois, a sós,
Ela e eu, pensamento e cabelos ao vento.
De repente, fitou-me em olhar comovente:
Qual foi o teu mais belo dia?» disse a voz
De oiro vivo, sonora, em fresco timbre angélico.
Um sorriso discreto deu-lhe a minha réplica
E então, como um devoto, beijei-lhe a mão branca.
Ah! as primeiras flores, como são perfumadas!
E como em nós ressoa o murmúrio vibrante
Desse primeiro sim dos lábios bem-amados!
CopiarCompartilhar
Recordação Rainer Maria RilkeE tu esperas, aguardas a única coisa
que aumentaria infinitamente a tua vida;
o poderoso, o extraordinário,
o despertar das pedras,
os abismos com que te deparas.
Nas estantes brilham
os volumes em castanho e ouro;
e tu pensas em países viajados,
em quadros, nas vestes
de mulheres encontradas e já perdidas.
E então de súbito sabes: era isso.
Ergues-te e diante de ti estão
angústia e forma e oração
de certo ano que passou.
CopiarCompartilhar
A Lembrança Juan Ramón JiménezNão te afastes, lembrança, não te afastes!
Rosto, não te desfaças, assim,
como na morte!
Continuai a olhar-me, olhos enormes, fixos,
como um instante me olhastes!
Lábios, sorri-me,
como me sorristes um instante!
Ai, fronte minha, aperta-te;
não deixes que se espalhe
sua forma fora do seu vaso!
Oprime o seu sorriso e o seu olhar,
até serem a minha vida interna!
Embora me esqueça de mim mesmo;
embora o meu rosto, de tanto o sentir, tome
a forma do seu rosto;
embora eu seja ela
e nela se perca a minha estrutura! —
Oh lembrança, sê eu!
Tu — ela — sê lembrança inteira e única, para sempre;
lembrança que me olhe e me sorria
no nada;
lembrança, vida com minha vida,
feita eterna, apagando-me, apagando-me!
CopiarCompartilhar
Imagem Minha Fiama Hasse Pais BrandãoFicas a ler comprazida diante das rosas
silhueta que vislumbrei compus e reanimei.
Tinhas o perfil marcado cruamente pela luz,
as mãos claras no colo, os cabelos despojados
do brilho das cabeleiras soltas, mas juvenis
e sacudidos no início da tarde com alegria.
As páginas balouçavam do mesmo modo que as rosas
porque ao começar a tarde nos dias de Verão
brisas e vapores estendem-se desde o mar
até às margens floridas. No teu banco
adornado por festões de rosas trepadeiras
afastas os olhos do livro não absorta
mas para sempre atraída por inúmeras imagens.
CopiarCompartilhar
Em um Retrato Camilo PessanhaDe sob o cômoro quadrangular
Da terra fresca que me há de inumar,
E depois de já muito ter chovido,
Quando a erva alastrar com o olvido,
Ainda, amigo, o mesmo meu olhar
Há de ir humilde, atravessando o mar,
Envolver-te de preito enternecido,
Como o de um pobre cão agradecido.
CopiarCompartilhar
Quando Voltei Encontrei os Meus Passos Camilo PessanhaQuando voltei encontrei os meus passos
Ainda frescos sobre a úmida areia.
A fugitiva hora, revoquei-a,
Tão rediviva! nos meus olhos baços.
Olhos turvos de lágrimas contidas.
Mesquinhos passos, porque doidejastes
Assim transviados, e depois tornastes
Ao ponto das primeiras despedidas?
Onde fostes sem tino, ao vento vário,
Em redor, como as aves num aviário,
Até que a asita fofa lhes faleça...
Toda essa extensa pista para quê?
Se há de vir apagar-vos a maré,
Com as do novo rasto que começa.
CopiarCompartilhar