Poesias Ocultistas
"Vês a verdade, rompes os véus. Tens mais caminho que a solidão", esses são versos ocultos. Ou seja, aquele tipo de poesia que está por trás dos sentimentos. Daquilo que ninguém vê. Confira a poesia ocultista de Fernando Pessoa.
Fingir o que não é Fernando PessoaDo eterno erro na eterna viagem,
O mais que [exprime] na alma que ousa,
E sempre nome, sempre linguagem,
O véu e capa de uma outra cousa.
Nem que conheças de frente o Deus,
Nem que o Eterno te dê a mão,
Vês a verdade, rompes os véus,
Tens mais caminho que a solidão.
Todos os astros, inda os que brilham
No céu sem fundo do mundo interno,
São só caminhos que falsos trilham
Eternos passos do erro eterno.
Volta a meu seio, que não conhece
Os deuses, porque os não vê,
Volta a meus braços, melhor esquece.
Que tudo só fingir que é.
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Fantasma oculto Fernando PessoaSúbita mão de algum fantasma oculto
Entre as dobras da noite e do meu sono
Sacode-me e eu acordo, e no abandono
Da noite não enxergo gesto ou vulto.
Mas um terror antigo, que insepulto
Trago no coração, como de um trono
Desce e se afirma meu senhor e dono
Sem ordem, sem meneio e sem insulto.
E eu sinto a minha vida de repente
Presa por uma corda de Inconsciente
A qualquer mão noturna que me guia.
Sinto que sou ninguém salvo uma sombra
De um vulto que não vejo e que me assombra,
E em nada existo como a treva fria.
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Passos da cruz Soneto VIVenho de longe e trago no perfil,
Em forma nevoenta e afastada,
O perfil de outro ser que desagrada
Ao meu atual recorte humano e vil.
Outrora fui talvez, não Boabdil.
Mas o seu mero último olhar, da estrada
Dado ao deixado vulto de Granada,
Recorte frio sob o unido anil...
Hoje sou a saudade imperial
Do que já na distância de mim vi...
Eu próprio sou aquilo que perdi...
E nesta estrada para Desigual
Florem em esguia glória marginal
Os girassóis do império que morri...
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Passos da Cruz Soneto XAconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu próprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e através estranhos ritos
De sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incógnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito...
Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planícies de céu baixo e neve
Nalguma coisa de alma do que é meu.
Narrei-me à sombra e não me achei sentido
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido...
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Realidade de ilusão Fernando PessoaAh, tudo é símbolo e analogia!
O vento que passa, a noite que esfria,
São outra coisa que a noite e o vento —
Sombras de vida e de pensamento.
Tudo o que vemos é outra coisa.
A maré vasta, a maré ansiosa,
E o eco da outra maré que está
Onde é real o mundo que há.
Tudo o que temos é esquecimento.
A noite fria, o passar do vento,
São sombras de mãos, cujos gestos são
A realidade desta ilusão.
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O Encoberto Fernando PessoaQue símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.
Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.
Que símbolo final
Mostra o sol já disperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.
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ODE Fernando Pessoa - Ricardo ReisAnjos ou deuses, sempre nós tivemos,
A visão perturbada de que acima
De nós e compelindo-nos
Agem outras presenças.
Como acima dos gados que há nos campos
O nosso esforço, que eles não compreendem,
Os coage e obriga
E eles não nos percebem.
Nossa vontade e o nosso pensamento
São as mãos pelas quais outros nos guiam
Para onde eles querem
E nós não desejamos.
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Meu Pensamento Fernando PessoaMeu pensamento é um rio subterrâneo.
Para que terras vai e donde vem?
Não sei... Na noite em que o meu ser o tem
Emerge dele um ruído subitâneo
De origens no Mistério extraviadas
De eu compreendê-las..., misteriosas fontes
Habitando a distância de ermos montes
Onde os momentos são a Deus chegados...
De vez em quando luze em minha mágoa,
Como um farol num mar desconhecido,
Um movimento de correr, perdido
Em mim, um pálido soluço de água...
E eu relembro de tempos mais antigos
Que a minha consciência da ilusão
Águas divinas percorrendo o chão
De verdores uníssonos e amigos,
E a ideia de uma Pátria anterior
A forma consciente do meu ser
Dói-me no que desejo, e vem bater
Como uma onda de encontro à minha dor.
Escuto-o... Ao longe, no meu vago tato
Da minha alma, perdido som incerto,
Como um eterno rio indescoberto,
Mais que a ideia de rio certo e abstrato...
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Abismo Fernando PessoaOlho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando —
O que é ser-rio, e correr?
O que é está-lo eu a ver?
Sinto de repente pouco,
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é oco —
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo — eu e o mundo em redor —
Fica mais que exterior.
Perde tudo o ser, ficar.
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, ideia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus.
E súbito encontro Deus.
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Monólogo na noite Fernando PessoaSou a Consciência em ódio ao inconsciente,
Sou um símbolo incarnado em dor e ódio,
Pedaço de alma de possível Deus
Arremessado para o mundo
Com a saudade pávida da pátria...
Ó sistema mentido do universo,
Estrelas nadas, sóis irreais,
Oh, com que ódio carnal e estonteante
Meu ser de desterrado vos odeia!
Eu sou o inferno. Sou o Cristo negro,
Pregado na cruz ígnea de mim mesmo.
Sou o saber que ignora,
Sua a insônia da dor e do pensar...
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Gomes Leal Fernando PessoaSagra, sinistro, a alguns o astro baço.
Seus três anéis irreversíveis são
A desgraça, a tristeza, a solidão.
Oito luas fatais fitam no espaço.
Este, poeta, Apoio em seu regaço
A Saturno entregou. A plúmbea mão
Lhe ergueu ao alto o aflito coração,
E, erguido, o apertou, sangrando lasso.
Inúteis oito luas da loucura
Quando a cintura tríplice denota
Solidão e desgraça e amargura!
Mas da noite sem fim um rastro brota,
Vestígios de maligna formosura:
E a lua, além de Deus, álgida e ignota.
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Em Mim Fernando PessoaParo à beira de mim e me debruço...
Abismo... E nesse abismo o Universo,
Com seu tempo e seu espaço, é um astro, e nesse
Alguns há, outros universos, outras
Formas do Ser com outros tempos, espaços
E outras vidas diversas desta vida...
O espírito é outra estrela... O Deus pensável
É um sol... E há mais Deuses, mais espíritos
De outras essências de Realidade...
E eu precipito-me no abismo, e fico
Em mim... E nunca desço... E fecho os olhos
E sonho — e acordo para a Natureza...
Assim eu volto a mim e à Vida...
Deus a si próprio não se compreende.
Sua origem é mais divina que ele,
E ele não tem a origem que as palavras
Pensam fazer pensar...
O abstrato Ser [em sua] abstrata ideia
Apagou-se, e eu fiquei na noite eterna.
Eu e o Mistério — face a face...
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Iniciação Fernando PessoaNão dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais:
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não estás morto, entre ciprestes.
Neófito, não há morte.
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