Frases de Lêdo Ivo
Lêdo Ivo nasceu no dia 18 de fevereiro de 1924 e contribuiu para a cultura brasileira com seus poemas, sonetos e frases. Conheça agora este grande poeta e escritor.
Soneto de AbrilAgora que é abril, e o mar se ausenta,
secando-se em si mesmo como um pranto,
vejo que o amor que te dedico aumenta
seguindo a trilha de meu próprio espanto.
Em mim, o teu espírito apresenta
todas as sugestões de um doce encanto
que em minha fonte não se dessedenta
por não ser fonte dágua, mas de canto.
Agora que é abril, e vão morrer
as formosas canções dos outros meses,
assim te quero, mesmo que te escondas:
amar-te uma só vez todas as vezes
em que sou carne e gesto, e fenecer
como uma voz chamada pelas ondas.
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PalavrasO poeta não deve crer nos anjos, mas nas palavras que os criam.
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CulturaO grande escritor não precisa ser nem muito inteligente nem muito culto. A inteligência e a cultura são contudo indispensáveis nos escritores menores!
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InvisívelA poesia é uma criação da cultura, mas esta deve permanecer invisível no poema...
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SucessoO meu leitor não é o que me lê. É o que me relê (caso exista). Um autor lido unicamente uma vez não tem leitores, por mais retumbante que seja o seu sucesso...
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Bons EscritoresNem sempre os grandes escritores são bons escritores...
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Soneto PuroFique o amor onde está; seu movimento
nas equações marítimas se inspire
para que, feito o mar, não se retire
de verdes áreas de seu vão lamento.
Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire
e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.
Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente
em luzir para o lume que o ensolara.
Seja o amor como o tempo – não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente!!
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MáscarasNa vida precisamos sempre usar máscaras, pois ninguém nos reconheceria se nos apresentássemos de rosto nu...
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Ovo e a GalinhaQue em seu gabinete, fala em nome do povo não sabe que a galinha nasceu antes do ovo.
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MorcegosOs morcegos se escondem entre as cornijas
da alfândega. Mas onde se escondem os homens,
que contudo voam a vida inteira no escuro,
chocando-se contra as paredes brancas do amor?
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BiografiasA maioria dos biógrafos empenha-se em explicar a obra a partir da vida, quando o correto é exatamente o contrário: trata-se de explicar a vida a partir da obra.
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SangueA casa de nosso pai era cheia de morcegos
pendentes, como luminárias, dos velhos caibros
que sustentavam o telhado ameaçado pelas chuvas.
“Estes filhos chupam o nosso sangue”, suspirava meu pai.
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EscuridãoQue homem jogará a primeira pedra nesse mamífero
que, como ele, se nutre do sangue dos outros bichos
(meu irmão! meu irmão!) e, comunitário, exige
o suor do semelhante mesmo na escuridão?
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MaceióEm Maceió, nas lojas de ferragens,
a noite chega ainda com o sol claro
nas ruas ardentes. Mais uma vez o silêncio
virá incomodar os alagoanos. O escorpião
reclamará um refúgio no mundo desolado.
E o amor se abrirá como se abrem as conchas
nos terraços do mar, entre os sargaços.
Nas prateleiras, os utensílios estremecem
quando as portas se cerram com estridor.
Chaves-de-fenda, porcas, parafusos,
o que fecha e o que abre se reúnem
como uma promessa de constelação. E só então é noite
nas ruas de Maceió.
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Soneto dos Vinte AnosQue o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.
Passem rios, estrelas, que o passar
é ficar sempre, mesmo se é esquecida
a dor de ao vento vê-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.
Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que não morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.
Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.
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Acontecimento do SonetoA doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeiros.
versos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.
Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,
irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo!
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Perdas e DanosQuem dorme perde a noite.
Foge da eternidade,
candelabro cativo
na escuridão do céu.
Quem dorme perde o amor,
a vigília madura
da carne que se sonha
a si mesma acordada.
Quem dorme perde a morte
que respira escondida
como a lebre no bosque.
Quem dorme perde tudo
que o acaso deposita
na mesa do universo!
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Guardar o DiaNo halo de um seio jovem como a noite
esconde-se o homem; na paina de seu travesseiro, na luz do farol
O homem guarda as moedas douradas de seu amor.
Mas o morcego, dormindo como um pêndulo, só guarda o dia ofendido.
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CegosAo morrer, nosso pai nos deixou (a mim e a meus oito irmãos)
a sua casa onde à noite chovia pelas telhas quebradas.
Levantamos a hipoteca e conservamos os morcegos.
E entre as nossas paredes eles se debatem: cegos como nós.
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As IluminaçõesDesabo em ti como um bando de pássaros.
E tudo é amor, é magia, é cabala.
Teu corpo é belo como a luz da terra
na divisão perfeita do equinócio.
Soma do céu gasto entre dois hangares,
és a altura de tudo e serpenteias
no fabuloso chão esponsalício.
Muda-se a noite em dia porque existes,
feminina e total entre os meus braços,
como dois mundos gêmeos num só astro.
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Soneto do Poeta BrasileiroNão sou viril somente nas poesias.
Quero dormir contigo, pois teus pés
amassavam pitangas e trazias
no corpo inteiro a marca das marés.
Disseste que comigo casarias
- amor na cama, beijos, cafunés.
Entre-sombras de carne oferecias
tão navegáveis como igarapés.
Minha morena até dizer que não,
o nosso amor demais me recordava
duas lagoas onde me banhei.
Sou macho e brasileiro, coração:
em teu olhar eu nu e forte estava
e foi assim, morena, que te amei.
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Balada InsolenteAo amor, como ao banho
deve-se ir nu
levando-se contudo
cálcio e Poesia.
E deve-se exigir
mais que a morte,
a vida; movimentos
livres e respiração.
Que, neste momento,
a Poesia seja
riso e não lágrimas.
Nunca assaz louvada,
que ela esteja sempre
a serviço da vida
sem trair os homens.
Poesia e cálcio.
Ao amor, que tem tudo,
deve-se ir sem nada,
levando-se no entanto
provisões de hormônios
até mesmo no olhar.
Na noite higiênica
o vento balança
grandes flores: cálcio.
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